sábado, 26 de março de 2011

Qualidade de vida cai no DF




A crescente violência urbana, os congestionamentos intensos e diários, o alto custo de vida e a enorme disparidade entre pobres e ricos. Tudo isso, aliado à precariedade dos serviços de saúde e educação, é a tônica da decadência da qualidade de vida no Distrito Federal. Os mais saudosos moradores dessa unidade federativa lamentam a condição em que a tão idealizada e planejada capital da República chegou, visto que Brasília sempre foi referência em qualidade de vida por proporcionar a sensação de segurança e o acesso a bens e serviços públicos de qualidade.

Para o sociólogo e cientista político Rócio Stefson Barreto um dos maiores fatores que impede que a qualidade de vida avance é a segregação social, pois ela existe em todas as cidades do país, mas, ao menos quanto ao campo espacial (físico), em Brasília a demarcação é muito mais evidente. “A separação entre pobres e ricos é bem mais vista aqui, pois acontece entre uma cidade-satélite e outra, e não apenas entre bairros ou até mesmo entre favela e asfalto, como acontece na maioria das metrópoles brasileiras”, argumenta.

Barreto aponta que as cidades-satélites são comumente vistas como foco de violência e de desamparo social, enquanto o Plano Piloto se mantém como molde a ser alcançado pelas demais cidades.

O pesquisador considera que a qualidade de vida está comprometida porque Brasília foi pensada sem se pensar também no Entorno, que começou a ser visto como ameaça. “Não adianta desenvolver o DF e deixar o Entorno sem desenvolvimento. Tem que pensar o Entorno como forma de ampliar a qualidade de vida no DF e não sob a perspectiva de que vai estar dando a mão para um outro estado”, avalia. Ele acrescenta que o fato de o DF ser “um chama de pessoas para virem para cá”, é um dos motivos pelo qual essa unidade federativa recebe verbas federais para custear a saúde, segurança e educação.

Barreto esteve recentemente na Europa e conta que lá predomina o bom tratamento ao idoso e o transporte público é exemplar, o que denota o alto nível da qualidade de vida. “Estive em Portugal e você vê o tratamento que se dá para o idoso: é excelente. Em Paris, eu não andei um dia sequer de carro, o transporte público na Europa é excelente. É uma satisfação”, observa. Ele reforça que uma das maiores preocupações que ameaça a qualidade de vida hoje é o transporte. “Não há investimento, não há compromisso. Pelo contrário, há exploração”, aponta.

Megalópole
O presidente do Conselho Comunitário de Segurança do Sudoeste e Octogonal, Elber Barbosa, encontra bastante diferença entre a qualidade de vida em Brasília 30 anos atrás e hoje. Para ele, a qualidade de vida em Brasília vem caindo muito, principalmente pelo crescimento desordenado da população, com a agregação de novas cidades-satélites. Isso torna difícil resolver as questões, principalmente de saúde e educação, porque não há como dispor de serviços de qualidade para a enorme demanda. “Não tem saúde, não tem educação, escola para essa turma toda e eu acho que isso causa a invasão de moradores de rua que hoje temos. Ainda sou do tempo em que Brasília não tinha sinais de trânsito como hoje tem. Se não houver uma providência das autoridades administrativas, a tendência é Brasília se tornar uma megalópole desgovernada”, analisa Elber.

Segundo o Instituto Brasília de Geografia e Estatística (IBGE), os primeiros resultados divulgados do Censo 2010 apontam que o Distrito Federal hoje possui cerca de 2.562. 963 habitantes, sendo que 96,6% desse dessa população se encontra em área urbana. O fator grave que os dados apontam é que Brasília foi planejada para acomodar uma população de 500 mil habitantes, daí a lógica de decadência da qualidade de vida.

Elber Barbosa aponta que embora Brasília tenha o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, e também uma das maiores renda per capita, a diferença entre o mais rico e o mais pobre é também a mais alta do Brasil. “Essa tamanha diferença gera todos os problemas que tanto falamos. Em Brasília, o sujeito até a classe média alta ganha bem, em compensação, a quantidade de desempregados na proporção é a maior do país. Embora a gente tenha renda alta, também a maior taxa de desemprego do Brasil é em Brasília”, pondera Barbosa.

O cientista político Rócio Barreto aponta que falta infraestrutura como água, luz, esgoto e coleta seletiva nas cidades mais novas. Além disso, ele também considera que a falta de moradia digna para uma maioria também implica na qualidade de vida geral.

Para Barreto, o DF também não oferece entretenimento e prática esportiva, além do que falta evento cultural a preços populares. “No DF a cultura é a mais cara do país desde cinema, teatro, música e museu”, observa.

A falta de lazer e entretenimento, segundo o pesquisador, é um dos fatores que mais contribui para favorecer o envolvimento dos jovens em drogas e crimes, o que aumenta a violência. A carência na educação também afeta a infância e adolescência sendo considerado um dos mais importantes fatores que contribui para a elevação ou queda da qualidade de vida. É preciso contar com bons professores, assíduos, responsáveis e que cumpram seu papel social, aponta Rócio Barreto. Aliado ao desempenho do profissional, também é necessária haver proximidade das escolas às casas dos estudantes e estrutura adequada.

“Várias são as razões que levaram Brasília à passagem de cidade-modelo para metrópole violenta, e com queda na sua qualidade de vida. O fator, porém, que torna a situação brasiliense peculiar, em relação às demais metrópoles do país, é a delimitação mais marcante entre os habitantes das cidades-satélites e os do plano piloto”, avalia.
A tão propagada qualidade de vida de Brasília não é uma realidade vivenciada por todo o Distrito Federal. É o que aponta a presidente do Instituto Brasileiro de Qualidade de Vida (IBQV), Elizabet Campos. Ela explica que esse atributo é dado a Brasília levando em conta três elementos fundamentais que são: renda, saúde e educação. Para Elizabet, é grande a responsabilidade de manter o título concedido pelo Programa das Nações Unidades (PNUD) que destaca a capital federal como a detentora de um dos maiores Índices de Desenvolvimento Humano do país. “A gente tem que empreender esforços para segurar a manutenção desse título. Tem tanta coisa comprometendo a nossa qualidade de vida que é grande a responsabilidade de manter esse título, pois podemos a qualquer hora perder”, comenta.

O IBQV realizou nos últimos meses de janeiro e fevereiro no Distrito Federal uma pesquisa para saber quais os pontos que contribuem para a melhor qualidade de vida do morador do DF e quais precisam melhorar. “É um compromisso nosso democratizar essa qualidade de vida, pois é um direito de todos. O que adianta Brasília ser linda no plano piloto ou no Sudoeste e a realidade não ser igual para todas as comunidades”, reflete.

Para obter dados sobre a qualidade de vida no DF, o IBQV entrevistou mil pessoas e conferiu que a maioria sente prazer em viver em Brasília apesar dos problemas. Entre os pontos que comprometem a qualidade de vida foram destacados a segurança pública, o transporte público, a saúde e a educação. “Todo mundo está assustado com o aumento da violência, com o número de acidentes, de mortes, um terror. É violência no trânsito, é no uso das drogas. Antes a gente tinha segurança e hoje não tem mais é o que a maioria dos entrevistados respondeu”, conta Elizabet.

Para a presidente do IBQV, a responsabilidade de todos os cidadãos brasilienses é tentar diminuir essa desigualdade estimulando ações individuais, coletivas, organizacionais. “Brasília cresceu  e hoje é uma jovem senhora que vai completar 51 anos e que já sofre dos males das grande metrópoles”, observa.

A falta de estacionamentos e de acesso a moradia, bem como o alto custo de vida, são outros fatores que impactam na qualidade de vida no DF, segundo apontou a pesquisa do IBQV.

Morador do Sudoeste desde 1996, Elber Barbosa conta que nunca vira antes o trânsito tão caótico como o atual. “Há 10 anos era maravilhoso, mas hoje as vias não foram adequadas, a quantidade de escoamento de água pluvial também não foi dimensionada para dobrar de tamanho como o Sudoeste foi nos últimos anos”, comenta.

Barbosa lamenta que atualmente é “praticamente impossível” sair do Sudoeste em horários de pico e conta que em muitos dias precisa esperar uma sequência de abrir e fechar oito vezes o semáforo para conseguir sair do Parque da Cidade em direção ao Sudoeste. O drama enfrentado por Elber Barbosa se repete nas várias vias de acesso do Distrito Federal, bem como nas grandes capitais do país. Em São Paulo, na última semana, o trânsito praticamente parou e registrou o segundo maior engarrafamento da capital no ano.

 Especialistas apontam que o problema do congestionamento é como “uma doença contagiosa” que está contaminando todas as grandes cidades e precisa de solução urgente. Para se encontrar a origem do problema, basta tomar conhecimento de que a frota de veículos no DF é praticamente na proporção de um veículo para cada dois habitantes. Por mais que haja o esforço dos governos, reforçar o asfaltamento, ampliar vias e construir viadutos, na proporção de crescimento da frota, segundo os especialista, sempre vai se configurar como uma ação paliativa.

Basta se dizer que Brasília hoje possui uma frota de 1.249.928 (dados do Detran-DF de fevereiro), o que aponta uma proporção de praticamente um veículo para cada dois habitantes, segundo os dados populacionais do IBGE que apontam que o DF possuía, em 2010 mais de 2,5 milhões de habitantes.
O professor de serviço social, Vicente Faleiros, considera urgente a necessidade de defesa do meio ambiente e aponta a problemática do trânsito como também uma questão ambiental que se soma a outras como a preocupação com as áreas verdes, com a água e o lixo. “Eu acho que tem que ter um debate público, uma audiência pública sobre Brasília e a questão ambiental. O crescente número de automóveis que circulam na cidade vêm aumentando o índice de poluição local. “Hoje de manhã as rádios anunciavam engarrafamentos em todas as vias do DF”, conta.

Para Faleiros, as pessoas estão utilizando o automóvel como meio de transporte individual e a cidade não está comportando isso. “Com a política de venda de automóveis que foi criada nos últimos anos está se criando um ciclo vicioso em que quanto mais vias você tem para o automóvel, mais automóvel aparece nas vias. Então é preciso mudar esse paradigma”, observa.

O cientista social aponta que é necessário focar mais no transporte público e criar uma outra lógica de organização da circulação na cidade, promovendo a maior consciência e educação ambiental.
Faleiros diz que a educação ambienta deveria constar na grade escolar do ensino público.

A proposta do pesquisador para que Brasília possa suportar o tráfego é que haja uma reformulação dos horários de funcionamento nos diversos setores da cidade a exemplo das escolas, do comércio e dos órgãos públicos. Com isso, ele acredita que é possível melhorar a questão do acúmulo de fluxo em determinados horários. “Brasília é uma cidade burocrática então é preciso uma mudança radical do fluxo para evitar os engarrafamentos estabelecendo horários distintos para os diferentes setores e dentro do próprio setor, também devem existir horários diferenciados”, conclui. 

Faleiros propõe que seja feito um debate público na Câmara Legislativa do DF com envolvimento dos poderes Executivo e Judiciário, além da participação da sociedade, a fim de discutir essas questões que incidem diretamente na qualidade de vida da população do Distrito Federal. “Teria que entrar nessa discussão, a questão das políticas para transporte, água e lixo, pois eu acho que são as três questões que mais preocupam e que estão sendo pouco consideradas”, conclui.


Para o cientista político Rócio Barreto, o crescimento desordenado é uma das causas dos trânsitos congestionados em Brasília. “Não adianta dizer que o trânsito ampliou porque mais pessoas tiveram condições de comprar carro, é porque houve aumento populacional mesmo. O Guará, por exemplo,  cresceu de um jeito, uma loucura, acho que dobrou nos últimos 10, 15 anos”, comenta.

Ele afirma que o Guará continua sendo uma cidade dormitório e por isso as pessoas ainda têm que buscar as vias de acesso ao plano piloto para poder ir para o trabalho. “Não há ciclovias, uma forma de trânsito bem explorada na Europa. O caminho é investimento. Se não houver investimento a qualidade de vida vai deixar de existir na capital da República”, conclui.

Para Elber Barbosa, que preside o Conselho Comunitário de Segurança do Sudoeste e Octogonal, a presença de moradores de rua na área vem se intensificando. “Muita gente vem para Brasília na esperança de ter uma vida melhor e ao chegar aqui se depara com a falta de emprego, saúde e educação, por isso vão viver na rua. A presença de moradores de rua é uma das coisas mais reclamadas no conselho porque aumenta a insegurança dos moradores”, aponta.

Barbosa comenta que nos últimos 10 anos, a população vem crescendo a uma taxa de aproximadamente 90 mil habitantes por ano, o que representa uma velocidade muito grande. “Se cresce tanto assim, daí você precisa gerar 50 mil vagas de emprego por ano, mais 50 mil na escola, mais 50 mil na saúde, e isso não acontece. Não há governo que consiga fazer isso”, reflete.
Ele acrescenta que o trânsito mais intenso e o estresse constante é uma tendência das cidades que cresceram além das outras.(Jornal da Comunidade)










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